O crescimento do mercado imobiliário brasileiro em 2020, período marcado pela queda na renda, pelo aumento no desemprego e pela crise econômica decorrente das medidas de controle da pandemia de Covid-19, reacende o debate quanto à existência de uma bolha de imóveis prestes a se romper.
Para os pesquisadores que participaram nesta quarta (31) do seminário online “Há bolha no mercado imobiliário?” promovido pela Folha e pelo Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas, a resposta curta é: não, não há traços de uma bolha no setor.
Debateram o assunto Ana Maria Castelo, pesquisadora do FGV Ibre, Alberto Ajzental, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, e Paulo Picchetti, professor do FGV Ibre. A mediação do encontro foi feita pelo repórter especial da Folha Fernando Canzian.
Formalmente, segundo Picchetti, a criação de uma bolha ocorre quando o crescimento do preço se descola do fluxo de renda que o ativo pode gerar. “A valorização [no preço dos imóveis] que vemos hoje vem sobre uma queda muito grande ocorrida a partir de 2014. O mercado ainda está recompondo os preços”, disse.
O ano de 2014 é lembrado como o fim de um ciclo de boom do mercado imobiliário, marcado depois por uma sequência de crises, juros elevados e regras mais rígidas para a concessão de crédito.
A sensação de que o mercado de imóveis “está bombando” ocorre muito devido à comparação com outros setores mais debilitados pela crise da pandemia. “Na Grande São Paulo, o crescimento não é tão grande como foi em 2013 ou 2014”, disse Ajzental.
Na avaliação dele, o fator mais importante para essa indústria no ano passado foi a redução de juros. Nos cálculos do pesquisador, cada ponto percentual de redução no custo efetivo total (o CET, que inclui juros e demais taxas) do financiamento imobiliário tem o potencial de incluir 1 milhão de famílias no crédito. De um custo de 13%, há cinco anos, hoje o mutuário contrata esse financiamento por 8%.
Para um imóvel de R$ 250 mil –faixa de preço mais comum no crédito–, para o qual o comprador empresta com o banco R$ 200 mil, a essa queda de juros reduz em R$ 90 mil a dívida total e em R$ 750 mensais a parcela.
Os juros menores aumentam o acesso às linhas de financiamento e também obrigam os investidores a buscarem outros ativos de renda fixa que superem a inflação. Enquanto o mercado formal de investimentos busca aplicações em fundos imobiliários, as famílias tendem a “comprar tijolo”, em busca da renda de aluguéis.
“Quem está por trás dessas compras? Não sabemos a proporção, mas é possível que também tenham sido famílias que tenham deslocado seus recursos, aplicando o dinheiro para alugar”, afirmou Ana Maria Castelo.
Para Picchetti, quem comprou pensando em alugar o imóvel ou como estratégia de diversificação de investimentos não vai perder dinheiro. “Em um momento de incerteza enorme com as contas do governo, os imóveis vão aparecer de novo como alternativa segura”.
“Quando a gente fala de retorno de locação, que é 0,3% a 0,5% ao mês, menos de 6% ao ano, não variou tanto. Na verdade, quando você tinha a Selic altíssima, o retorno de locação era um patinho feio, mas depois, quando a Selic cai para 2% e a poupança está dando 1,4% ao ano, mesmo que o retorno de locação não tenha variado, comparativamente ele ficou mais interessante como investimento de renda fixa”, disse Ajzental.
NOVOS RUMOS PARA O SEGMENTO COMERCIAL
O mercado corporativo deve passar por mudanças decorrentes da adaptação de empresas e funcionários ao trabalho remoto, o home office. Isso não quer dizer, porém, que os grandes escritórios, as lajes corporativas, deixarão de existir.
Para Alberto Ajzental, ao fim da pandemia, as empresas voltarão a ocupar andares e prédios, mas com outro funcionamento. Esses espaços passarão a ser usados menos como locais de trabalho e mais como lugares de encontros, conversas e reuniões.
Além disso, o pesquisador diz que a laje corporativa tem um aspecto aspiracional: “as empresas querem estar em um AAA [os prédios triple A, no jargão do mercado para designar os melhores edifícios] na Faria Lima” (avenida na zona oeste de São Paulo que concentra empresas do setor financeiro).
A situação será mais dramática para os conjuntos comerciais, aqueles com duas salas e banheiro. “O profissional liberal de uma atividade que não precisa de equipamentos vai fazer as contas e descobrir que não tem porque alugar esse espaço”, afirmou Ajzental.
FGV ESTUDA NOVO ÍNDICE PARA CORRIGIR ALUGUÉIS
O professor do FGV Ibre Paulo Picchetti disse no seminário que a instituição está estudando um índice alternativo que possa substituir o IGP-M (Índice Geral de Preços Mercado) nos contratos de locação.
Em 12 meses, o IGP-M, que é conhecido como a inflação dos aluguéis, registra variação de 31,1%, pressionado principalmente pelos preços de commodities negociadas em dólar.
Segundo Picchetti, a ideia é construir um índice que tenha relação com o mercado de aluguéis. “Estamos conversando com parceiros potenciais. O que a gente precisa são fontes de informação para construir um acordo de compartilhamento de dados para construir um índice que consiga refletir o mercado como um todo”, afirmou.
Ainda não há expectativa de quando esse novo índice começaria a ser apurado, mas o pesquisador disse que há pressa em criar um mecanismo mais próximo da realidade do mercado.
Fonte: Folha de SP